
Com as eleições municipais chegando, nos questionamos sobre os papéis do poder público e sobre o tamanho da responsabilidade em nossas escolhas. Entretanto, neste momento em que tanto se contesta a credibilidade das instituições, cabe levantar uma questão específica: qual o impacto da participação do setor privado na gestão da sua cidade? Ou, ainda, qual o nível de investimento desse setor em políticas de cunho socioambiental?
De acordo com o Monitor das Doações da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), o esforço do setor privado representa uma parcela considerável no investimento em ações de combate aos efeitos da pandemia da COVID-19, por exemplo. Até o momento, doações realizadas por empresas, associações e campanhas de arrecadação ultrapassam R$ 8.8 bilhões, quase o triplo do valor acumulado de um ano inteiro de filantropia no país, de acordo com o último relatório consolidado da ONU, lançado em 2017.
Ainda a respeito desse tema, um levantamento feito em conjunto pela Câmara Americana de Comércio do Brasil (Amcham), pela Embaixada dos Estados Unidos e pelo Grupo +Unidos mapeou 70 empresas norte-americanas sobre suas iniciativas para combater os impactos da COVID-19 no Brasil. As doações em dinheiro anunciadas por parte dessas empresas somam o valor significativo de R$ 315 milhões. Além das empresas que anunciaram doações em dinheiro, outras divulgaram ações sem especificar seu valor monetário, tais como mudança da linha de produção, doação de licenças, créditos, produtos, treinamento e expertise para apoiar os brasileiros durante a pandemia.
Isto nos leva a considerar que há um tempo o Estado deixou de ser o único executor de políticas públicas e sociais, e a sociedade civil, muitas vezes em articulação com o setor privado, se tornou um braço executor destas iniciativas. O surgimento das Organizações Não Governamentais, hoje denominadas Organizações da Sociedade Civil, está datado no início da década de 50. Assim como a sociedade e os seus mais diversos aspectos, as OSCs sofreram alterações conforme o passar do tempo, principalmente com as mudanças do cenário político.
Aqui no Brasil, uma dessas mudanças ocorreu com a redemocratização e com a promulgação da Constituição de 1988, alavancando o surgimentos de novas organizações. Mais recentemente, com o amadurecimento na compreensão do papel social das OSCs, compreendeu-se a função articuladora dessas últimas entre diferente setores sociais.
Por estarem muito próximas do campo social e das realidades locais, as OSCs podem e devem contribuir com a qualificação de políticas públicas, apoiando na resolução de problemas sociais de alta complexidade. Ao mesmo tempo, estão mais libertas das amarras burocráticas características da máquina pública, possuindo considerável autonomia e liberdade no que concerne, por exemplo, ao estabelecimento de parcerias e acordos.
Por sua vez, como supracitado, o setor corporativo muitas vezes possui o recurso para viabilizar projetos de interesse social, mas dificuldade na sua implementação.
De acordo com o GIFE (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), “o alinhamento entre o investimento social e o negócio vem sendo percebido pelo setor como uma tendência desde pelo menos 2009, aproximando o diálogo entre os movimentos de responsabilidade social empresarial e sustentabilidade da atuação dos institutos e fundações, principalmente os de origem empresarial”.
Em conjunto a estas mudanças, o conceito de Responsabilidade Social Corporativa cresceu e trouxe consigo novas diretrizes, como Venture Philanthropy, que tem como objetivo ampliar o impacto socioambiental da filantropia, considerando três pontos principais: financiamento customizado, suporte organizacional e mensuração e gestão de impacto.
Mesmo considerando a pluralidade de agentes dispostos a executar e promover iniciativas de cunho socioambiental, precisamos considerar que a esfera pública possui o papel central e a responsabilidade das mudanças estruturais. Para ilustrar, como explicita o dado fornecido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a soma do orçamento anual de todas as OSCs brasileiras não chega a equivaler a um dia do orçamento da União.
Portanto, não cabe às OSCs somente o papel de executoras, mas também de mediadoras estratégicas para poder viabilizar a articulação entre os esforços do poder público e a disponibilidade do mundo corporativo, apoiando na geração de mudanças sociais efetivas.
Daniel Grynberg
Diretor Executivo
Grupo +Unidos