
A agenda de 2021 dos conselhos de administração deve ter entre suas prioridades a resposta contínua à crise provocada pela covid-19, sem perder a visão a longo prazo dos negócios. É o que diz o documento “Conselho de Administração: Prioridades para a agenda de 2021”, elaborado pelo ACI Institute Brasil em conjunto com o Board Leadership Center, ambos ligados à consultoria KPMG.
Com o objetivo de auxiliar conselheiros a traçarem estratégias para lidarem com a crise de forma bem-sucedida, o documento cita diversos temas que devem ser prioritários na agenda dos colegiados neste ano – como a pauta ESG, o gerenciamento de riscos, a gestão do capital humano, o engajamento com acionistas, entre outros.
Segundo Sidney Ito, CEO do ACI Institute e sócio de Consultoria em Riscos e Governança Corporativa da KPMG, o momento é de transformação do modelo de negócios, com cada vez mais tecnologia incorporada às operações. Ele afirma que, por isso, é tão importante que os conselheiros mantenham suas preocupações com o longo prazo.
“Se não houver preocupação com as transformações tecnológicas, no futuro a empresa pode nem existir ou ficar muito atrás de seus concorrentes, que vão se transformando. É importante ter equilíbrio entre cuidar do dia a dia e da própria crise e também não perder o foco no longo prazo, no planejamento estratégico e principalmente na transformação do modelo de negócios”, explica.
Além do foco no combate à crise e no longo prazo, o sócio da KPMG comenta alguns dos outros pontos trazidos pelo documento como prioritários para os conselhos de administração em 2021. “Avalie se a sua agenda de 2021 endereça esses itens. É óbvio que existem outras prioridades para cada empresa, mas, no meu entendimento, os conselheiros devem ao menos avaliar se esses itens devem fazer parte de sua agenda ou não”, diz.
Um dos tópicos do documento, a gestão do capital humano ficou em evidência durante a pandemia, assim como o plano de desenvolvimento de talentos das empresas. Há inclusive uma maior exigência dos investidores por mais transparência em relação a como a empresa se posiciona para atrair, desenvolver e reter os melhores profissionais.
Para Ito, a transformação do modelo de negócios também exige a transformação do próprio capital humano. “As pessoas não vão continuar fazendo a mesma coisa, elas vão fazer coisas diferentes e agir de forma diferente. Há a inteligência artificial, digitalização, internet das coisas, tudo isso interferindo na atuação dos profissionais. O perfil do profissional já vai ser diferente nessa transformação”, diz.
“A empresa deve estar preparada. Não adianta pensar somente em contratar pessoas com esse perfil, porque, se todo mundo pensar em fazer isso, não vai ter gente suficiente. O ponto é desenvolver os profissionais, reter os talentos”, aconselha o sócio da KPMG.
O executivo acrescenta que também deve haver um plano de sucessão do CEO, pois o presidente da empresa deve estar alinhado com as novas responsabilidades relacionadas a um novo modelo de negócios. “Tenho que reter o CEO que já tenho ou pensar na sucessão com um candidato já com esse perfil”, afirma.
O ESG, sigla que se refere a questões ambientais, sociais e de governança, tem ganhado espaço nas discussões dos conselhos de administração nos últimos anos, o que foi acelerado pela pandemia.
“O ESG deixou de ser uma discussão corporativa para ser algo além do institucional, para ser uma exigência das pessoas, da comunidade”, declara Sidney Ito. “Não pode ser modismo ou uma ação exclusiva do presidente ou de uma área da empresa, ele tem que estar enraizado na companhia.”
Outro tópico que deve ser tratado como prioridade pelos conselhos, segundo a KPMG, é questionar se a empresa está fazendo o suficiente para combater o preconceito sistêmico e o racismo. O documento afirma que “comunidades, funcionários, clientes e investidores estão convocando as empresas a promoverem mudanças duradouras, transformarem palavras em ações e demonstrarem progresso mensurável.”
Ito destaca um outro aspecto, dentro da disrupção tecnológica dos negócios: deve haver um cuidado para o treinamento de inteligências artificiais, para que decisões tomadas a partir delas não reflitam preconceitos. “Pode existir um preconceito que faça com que a inteligência artificial tome decisões ou conclusões derivadas do passado que não necessariamente representem a realidade”, diz o executivo. “É preciso garantir que isso não aconteça. E, se a empresa tiver algum preconceito, isso vai afetar a sua imagem, então, o conselho tem que garantir que exista essa preocupação”, acrescenta.
A construção de um conselho representativo da estratégia e das necessidades da empresa é outro tópico do documento, que ressalta a diversidade como caminho para conselhos mais eficientes. “Se eu não tiver um conselho bem equilibrado em termos de gênero, pessoas, habilidades, idade, talvez eu não consiga ter as melhores decisões, as melhores soluções, as melhores estratégias”, diz Ito.
Segundo Ito, em meio à crise causada pela pandemia, a própria criação de comitês de crise ou de planos de crise para enfrentar os efeitos da covid-19 fizeram com que as empresas entendessem melhor a importância do gerenciamento de riscos, que também aparece como um dos assuntos que deve ser prioridade dos conselhos neste ano. “Hoje, todos os conselhos colocaram na sua pauta o gerenciamento de riscos”, afirma.
Ainda na área dos riscos, outra preocupação prioritária para 2021 é a abordagem da segurança cibernética e da privacidade de dados de forma holística. “O que mudou com os anos foi a informação sair do papel e ficar cada vez mais eletrônica. Agora com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e hackers que tentam quebrar a segurança cibernética das empresas, há a preocupação de não ter meus dados vazados e não deixar de cumprir a lei porque serei punido. Também há a pressão dos stakeholders (investidores, clientes, funcionários, fornecedores e a comunidade no geral) aqui, o que faz do tema uma prioridade para o conselho”, explica Ito.
A relação com os investidores também deve ser prioridade do conselho, que precisa ser proativo. Ito destaca que a empresa tem responsabilidades sociais, mas também precisa dar lucro e atender aos próprios acionistas. “É preciso ter proatividade para entender as demandas tanto dos acionistas como dos demais stakeholders, chegar a um equilíbrio entre todos para atendê-los e ter sucesso em traçar estratégias de acordo com os objetivos da empresa”, afirma o sócio da KPMG.
A atuação para monitorar a cultura corporativa também não deve ser deixada de lado. “O conselho tem que dar o tom. Ele tem que monitorar, tem que punir quem não faz o correto, tem que criar cultura corporativa e garantir que essa cultura corporativa seja mantida. A responsabilidade não é só colocar na agenda todos esses itens, mas sim garantir que tudo isso funcione”, conclui Ito.
Clique aqui para ler a íntegra do documento divulgado pela KPMG.
Por Heloísa Scognamiglio, O Estado de São Paulo. Publicado em 11/02/2021.